21 de jul. de 2010

Olá leitores, quero compartilhar com vocês um trabalho acadêmico sobre um assunto muito importante para a nossa cidade de Dias d ´Avila e deixo o espaço aqui para a publicação de outros trabalhos já desenvolvidos no intuito de compartilharmos cada vez mais conhecimentos na área ambiental. Os trechos abaixo são da monografia de minha autoria para conclusão do curso de ciências econômicas na UCSAL. Boa leitura! 


ANÁLISE DA SITUAÇÃO DOS CATADORES DE RESÍDUOS RECICLÁVEIS DO MUNICÍPIO DE DIAS D’ÁVILA E DAS CONDIÇÕES PARA FORMAÇÃO DE UMA COOPERATIVA

Autor: Ana Lúcia Botelho Almeida

RESUMO
 
Esta monografia tem como objetivo avaliar a situação dos catadores de recicláveis no município de Dias d’Ávila e através da pesquisa de modelo de gestão de duas cooperativas de catadores: a CAEC – Cooperativa de Catadores Agentes Ecológicos de Canabrava e a COOPMARC – Cooperativa de Materiais Recicláveis de Camaçari, identificar as condições necessárias para a formação de uma cooperativa de catadores neste município. A fim de alcançar os objetivos propostos, foram realizadas entrevistas com os catadores encontrados nas ruas do município com aplicação de questionário, visita as residências desses catadores e registro fotográfico das condições de trabalho e moradia. Para avaliar a situação de gerenciamento dos resíduos sólidos no município, foi realizada uma entrevista com a gerência do setor da prefeitura responsável pela coleta e destinação final dos resíduos sólidos urbanos em 2005 e também, foram utilizadas informações cedidas pelo Instituto Ambiental Verdecicla, organização não governamental sediada na cidade. A gestão das cooperativas foi avaliada através de visitas e entrevistas com os responsáveis e pesquisa na internet. Os resultados das análises demonstram que Dias d’Ávila possui características sócio-ambientais favoráveis à formação de uma cooperativa dos catadores, tanto pela presença de trabalhadores que atuam no ramo da catação ainda de forma desorganizada, como também por ser localizado próximo ao Pólo Petroquímico de Camaçari, onde há uma demanda de coleta de resíduos recicláveis. Os resultados apontam, também, para a importância de uma cooperativa de catadores adotar modelos de gestão com base nos princípios de empreendimentos autogestionários para que obtenha sucesso e consiga permanecer no mercado reciclador.



1.INTRODUÇÃO

Em busca da sobrevivência em um mercado de trabalho historicamente desigual e excludente, surgem as cooperativas de catadores de recicláveis como uma das formas das ocupações da economia dos setores populares. Na luta pela vida, os catadores encontram nas cooperativas uma forma mais humana de obter uma ocupação remunerada e, ao mesmo tempo, contribuem significativamente para a diminuição dos impactos ambientais associados à destinação dos resíduos sólidos. E, enquanto interferem positivamente no meio ambiente, as cooperativas de catadores ajudam a gerar trabalho e renda para muitas pessoas que hoje atuam informalmente no setor.

Em paralelo ao desemprego, o adensamento populacional nos grandes centros urbanos e o crescente consumo de produtos industrializados têm proporcionado acentuado aumento no volume dos resíduos sólidos comerciais e domiciliares, acarretando o agravamento de problemas ambientais, sanitários e sociais nas pequenas e grandes cidades. Interferir no hábito de destinar os resíduos recicláveis para os catadores constitui uma prática adequada de cidadania e desperta o interesse por informações sobre a origem e o destino dos resíduos gerados, induzindo questionamentos que venham a promover alterações nos hábitos de consumo, degradação ambiental e desperdício da nossa sociedade.



Esta monografia tem por objetivo analisar as possibilidades de organização do trabalho dos catadores do município de Dias d’Ávila através da formação de uma cooperativa e contribuir para a inserção social dessas pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza, gerando emprego e renda e, consequentemente, diminuindo o impacto que tais resíduos podem causar no meio ambiente. A presente pesquisa, além da revisão bibliográfica , possui como base metodológica principal a análise da situação de trabalho de dezenove catadores do município deste município encontrados, pela autora, nas ruas da cidade em junho de 2006, como também a avaliação da situação do lixo da cidade realizada através de entrevistas com representantes da Prefeitura e de organizações não governamentais, e visitas às cooperativas de catadores CAEC e COOPMARC para avaliar o modelo de gestão adotadas por essas instituições com o objetivo de identificar as condições essenciais para a formação de uma cooperativa de catadores no município de Dias d’Ávila. Foram utilizadas para complementar este trabalho, publicações em sites da internet e revistas.
Este trabalho se desenvolve em três partes distintas e complementares. Num primeiro momento, é apresentada uma breve história da economia solidária e o surgimento do cooperativismo no Brasil. Na segunda parte, é apresentado o movimento dos catadores de recicláveis no Brasil, as políticas públicas voltadas para o desenvolvimento das mesmas e suas contribuições no âmbito social, ambiental e econômico.



Finalmente, na terceira parte é diagnosticada a forma de atuação dos catadores no município de Dias d’Ávila e, com base na pesquisa realizada nas duas cooperativas COOPMARC e CAEC, analisa-se as condições necessárias para a formação de uma cooperativa de catadores neste município.


2. UMA BREVE INTRODUÇÃO À ECONOMIA SOLIDÁRIA



2.1 Contexto histórico

Uma nova realidade no mundo do trabalho vem surgindo das crescentes mudanças estruturais, de ordem econômica e social nas últimas décadas: a Economia Solidária. São diversas iniciativas provocadas pela necessidade dos trabalhadores em buscarem alternativas para geração de trabalho e renda.

Pode-se encontrar milhares de pessoas organizadas coletivamente na gestão da produção econômica e lutando por emancipação. Suas principais formas de expressão encontram-se nas ações de organizações não governamentais voltadas para projetos de produção coletiva, cooperativas populares, redes de produção, consumo e comercialização, diversas instituições financeiras voltadas ao fomento a empreendimentos populares solidários, empresas autogestionárias, cooperativas de agricultura familiar, cooperativas de prestação de serviços e, entre outras, aparecem as cooperativas de catadores de recicláveis.


O desenvolvimento da economia solidária no Brasil compreende uma diversidade de práticas econômicas e sociais organizadas que vem se desenvolvendo desde os últimos anos do século passado, constituindo uma resposta de parte da sociedade civil à crise das relações de trabalho e ao aumento da exclusão social.


As iniciativas de economia solidária no Brasil vêm sendo impulsionadas a partir das ações de organizações não governamentais da sociedade civil (ONGs, movimentos sociais, igrejas etc), que apóiam a constituição e articulação de cooperativas populares, as redes de produção e comercialização e as feiras de cooperativismo e economia solidária, dentre outras.


Muito do que se tem produzido atualmente sobre Economia Solidária advém das próprias experimentações protagonizadas pelos atores envolvidos no tema. A partir da década de 80, o Brasil, em vista do alto índice de desemprego, passa a exibir experiências no campo da economia .

Para Singer (2000), que é um dos expoentes entre os pesquisadores da Economia Solidária no Brasil, a unidade típica da economia solidária é a Cooperativa de produção, cujos princípios organizativos são: posse coletiva dos meios de produção pelas pessoas que as utilizam para produzir; gestão democrática da empresa ou por participação direta (quando o número de cooperados não é demasiado) ou por representação: repartição da receita líquida entre os cooperados por critérios aprovados após discussões e negociações entre todos; destinação do excedente anual (denominado “sobras”) também por critérios acertados por todos os cooperados.

A economia solidária busca a unidade entre produção e reprodução, evitando a contradição fundamental do sistema capitalista, que desenvolve a produtividade, mas exclui crescentes setores de trabalhadores de acesso aos seus benefícios, gerando crises recessivas de alcance global.


De acordo com Singer (2000), quando uma nova empresa solidária surge, a sua estruturação segue uma lógica completamente diferente. Em sua origem há, em geral, uma comunidade formada por ex-empregados de uma mesma empresa capitalista ou por companheiros de jornadas sindicais, estudantis, comunitárias, dentre outras. Segundo esta vertente de pensamento sobre a temática, uma empresa solidária surge não só para permitir ganhos aos sócios, mas como criação de trabalhadores em luta contra o capitalismo, sendo uma opção ao mesmo tempo econômica e político-ideológica. Ela exigiria dos seus integrantes uma opção contra os valores dominantes da competitividade individual e da primazia do capital sobre o trabalho. Por isso, seu nascimento requer o patrocínio de apoiadores externos, que podem ser outras empresas solidárias, incubadoras (órgãos especializados em formar e amparar tais empreendimentos), sindicatos, entidades religiosas, organizações não governamentais (ONG), entre outras.



A economia solidária é vista, portanto, como um poderoso instrumento de combate à exclusão social, pois apresentaria uma alternativa viável para a geração de trabalho e renda e para a satisfação direta das necessidades de todos, indicando que é possível organizar a produção e a reprodução da sociedade de modo a eliminar as desigualdades materiais e difundir os valores da solidariedade humana. A economia solidária também é vista como um projeto de desenvolvimento integral que visa a sustentabilidade, a justiça econômica e social e a democracia participativa.

[...] a crescente desigualdade entre a classe capitalista, cuja riqueza aumenta com a acumulação do capital, e a classe trabalhadora, cujos ganhos são apenas suficientes para reproduzir sua força de trabalho cotidianamente e produzir nova força de trabalho – os seus descendentes - que substituirão os trabalhadores aposentados e os sustentarão mediante suas contribuições previdenciárias. Dada a tendência estrutural do capitalismo de desempregar, excluir e empobrecer parte da classe trabalhadora, a sociedade tende a se polarizar entre uma elite endinheirada e uma massa de pobres que dependem da venda de sua força de trabalho para ganhar a vida mas não encontra que a compre, ao salário modal vigente. (Singer, 2003, p.14)


Observa-se, também, que Singer destaca o princípio da solidariedade nos empreendimentos da economia solidária. Para ele, há diversos relatos e estudos de caso que mostram a enorme dedicação e disposição de suportar sacrifícios por parte dos trabalhadores com o objetivo de gerar trabalho e renda por meio da economia solidária. O modo solidário de produção e distribuição parece, à primeira vista, um híbrido entre o capitalismo e a pequena produção de mercadorias. Mas, na verdade, ele constitui uma síntese que supera ambos”. (SINGER, 2003, p.13).


De acordo com Singer (2003), podemos afirmar que numa cooperativa de catadores de recicláveis o princípio de solidariedade seja ainda mais fortalecido, face às dificuldades enfrentadas pelo catador na rotina de coletar resíduos. A maioria dos catadores, antes de ingressar numa cooperativa, atua no anonimato, em condições precárias de higiene, segurança e saúde. Quando passam a fazer parte de um empreendimento organizado, a vontade que dê certo é evidente entre os cooperados, principalmente para que não voltem a ter a vida de antes.


Os empreendimentos da economia solidária não são regidos apenas pelos valores e práticas assentados exclusivamente em relações de solidariedade, segundo Kraychete (2007), uma vez que os ganhos econômicos são essenciais para a sobrevivência desses empreendimentos. “Os seres humanos não são movidos apenas por necessidades, mas também por desejos. E podem encontrar motivos para a cooperação, mesmo quando buscam auto-interesse.” (KRAYCHETE, 2007 p. 12).


É fato que de forma organizada os catadores de recicláveis adquirem força para enfrentar o mercado competitivo da reciclagem. Porém, cooperados ou não, realizam atividades que geram recursos destinados a sobrevivência. Para Kraychete (2007) “é preciso levar em consideração a situação de milhões de pessoas que vivem de ocupações precárias e, sobretudo, do trabalho realizado de forma individual ou familiar”.


E é com base nesse contexto que Kraychete entende a relação entre os empreendimentos econômicos solidários com uma economia dos setores populares.

Designo por economia dos setores populares as atividades que possuem uma racionalidade econômica ancorada na geração de recursos (monetários ou não) destinados a prover e repor os meios de vida e na utilização de recursos humanos próprios, agregando, portanto, unidades de trabalho e não inversão de capital. No âmbito dessa economia dos setores populares convivem tanto as atividades realizadas de forma individual ou familiar como as diferentes modalidades de trabalho associativo, formalizadas ou não. Não se trata, portanto, de adjetivar esta economia, mas de reconhecer que os atores que a compõem e que a movem são essencialmente populares.” (Kraychete, 2007, p. 4)


Para Kraychete (2007), os empreendimentos associativos não podem ser considerados uma alternativa não capitalista ao desemprego, e sim, uma forma social de produção que contesta a organização capitalista do trabalho. Num país como o Brasil, , a existência de aproximadamente 8 milhões de desempregados e 48 milhões de trabalhadores que exercem trabalho precário, a quantidade de pessoas que os empreendimentos associativos absorve não é suficiente para ser considerada como uma alternativa em larga escala ao desemprego

Logo, as análises referentes à economia dos setores populares e à economia solidária reconhecem a função social do trabalho realizado pelo catador autônomo e que a formação de cooperativas constitui-se numa forma de superar as condições precárias que caracterizam o trabalho do catador. .



2.2 O Surgimento das Cooperativas no Brasil

O surgimento do cooperativismo deu-se frente a uma necessidade social, sem amparo legal, tomou força diante de um sistema político e econômico excludente e opressor, encontrando uma forma de sobreviver dignamente.

O principio da cooperação está presente desde os primórdios da civilização, evidenciada nas lutas pela sobrevivência, durante as crises econômicas, políticas e sociais. Tanto a caça e a pesca, como na construção de habitações, necessitavam da cooperação dos membros dos grupos. A cooperação, ajuda mútua, solidariedade, quer seja chamada, parece-nos que está inerente à natureza humana.


A estrutura do cooperativismo no mundo está representada pela ACI – Aliança Cooperativa Internacional, entidade responsável pela coordenação do cooperativismo no mundo e tem como objetivo apoiar o desenvolvimento e integração do sistema cooperativista, tem sua sede na Suíça e faz parte do Conselho das Nações Unidas – ONU. Outra representação mundial é a OCA – Organização das Cooperativas das Américas, com sede na Colômbia, representante de 20 países da América, inclusive o Brasil.

As primeiras experiências do cooperativismo brasileiro remontam ao final do século XIX, com a criação da Associação Cooperativa dos Empregados, em 1891, na cidade de Limeira-SP, e da Cooperativa de Consumo de Camaragipe – Estado Pernambucano, em 1894. A partir de 1902, surgem as primeiras experiências das caixas rurais do modelo Raiffeisen, no Rio Grande do Sul e, em 1907, são criadas as primeiras cooperativas agropecuárias no Estado de Minas Gerais (OCB, 1996).


Como política pública destaca-se a Lei nº. 5.764/71, estruturada em 117 artigos contidos nos seus dezoito capítulos. O Artigo 4 do Capítulo III da referida Lei define as cooperativas como “ sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados(...)”. E o Artigo 79 do Capítulo XII define os atos cooperativos como sendo “os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aqueles e pelas cooperativas entre si quando associados, para a consecução dos objetivos sociais”.


Outro aspecto legal a ser destacado foi a criação da Lei n° 9.867, de 10 de novembro de 1999, que criou e normatizou as cooperativas especiais, as quais são destinadas a auxiliar pessoas em “situação de desvantagem” a se inserirem no mercado .


A organização dos grupos varia desde a simples união espontânea de dois trabalhadores até a criação de complexos cooperativas. Uma forte característica do setor é a informalidade, a falta de vínculos longos e o baixo grau de organização. Mas, a evolução dos grupos, na grande maioria, é marcada pela intervenção de alguma instituição, como igreja, ONGs, prefeituras e sindicatos, entre outras, que participam do processo tentando ajudar a formalizar os grupos.

3. O MOVIMENTO DOS CATADORES DE RECICLÁVEIS


3.1 As cooperativas de Catadores no Brasil e Políticas Públicas

Tanto os catadores dos lixões com os das ruas estão presentes na maioria dos municípios brasileiros. Diariamente, os catadores desviam dos aterros sanitários e lixões toneladas de resíduos e atuam paralelamente ao serviço municipal de limpeza. De acordo com a Avaliação das Atividades do Programa e do Fórum Lixo e Cidadania de 2002, realizada pela Unicef , já nessa época os catadores eram responsáveis por desviar dos aterros entre 10 e 20% dos resíduos urbanos para a reciclagem. Enfrentando obstáculos, os catadores são responsáveis por aproximadamente 90% dos resíduos que alimentam as indústrias recicladoras no Brasil. Além da contribuição econômica, diminuem o custo com o tratamento dos resíduos por parte do município. Do lixo, resgatam o desperdício de recursos naturais e devolvem ao mercado como matéria-prima secundária.

Segundo Davi Amorim, coordenador de comunicação do Movimento Nacional de Catadores de Recicláveis, em entrevista publicada no site www.mncr.org.br em 07 de agosto de 2009, número de catadores organizados por cooperativas, associações ou grupos devidamente cadastrados chega a 40 mil. Mas estima-se que existam mais de 800 mil catadores atuando nas ruas e muitos de forma desorganizada. O Brasil já conta com o Cadastro Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis que começou a funcionar no dia 07 de agosto desse ano e já possui 400 cooperativas cadastradas e esse número deve aumentar de forma significativa após a divulgação do cadastro.


De acordo com o site da Revista Gestão Cooperativa – www.gestaocooperativa.com.br, existem várias formas de organização dos catadores, conforme quadro abaixo:

• Grupos em organização: com pouca ou nenhuma infra-estrutura, muita necessidade de apoio, e vontade de trabalhar em grupo e se fortalecerem.

• Catadores organizados autogestionários: grupos que funcionam como cooperativas de fato onde decisões são tomadas de modo democrático, as vendas e os resultados são de domínio de todos graças a transparência das informações que muitas vezes são afixadas na parede - o valor da venda, dos descontos, as atas das reuniões e etc. Não há uma liderança única da qual dependam todas as decisões e todos os associados representam o empreendimento como dono.


• Redes de cooperativas autogestionárias: A idéia de rede é uma forma de fortalecer os grupos na busca de quantidade, qualidade e freqüência que são algumas das imposições do mercado da reciclagem. Em rede os grupos podem vender por melhores preços por terem juntos maiores quantidades e aqueles que não tem prensa poderem enfardar o material.

• Coopergatos: Grupos não autogestionários, que tem um dono, onde um manda e todos obedecem e funciona como uma empresa privada só que sem os benefícios sociais que uma empresa privada teria que dar.

• Cooperativas de Sucateiros: Alguns sucateiros que, nem sempre, mas freqüentemente tem com catadores relações exploratórias, percebendo vantagens junto a políticas públicas, se regularizam legalmente como cooperativas mas funcionam como empresa privada, sob a fachada do cooperativismo. Infelizmente esse padrão é bastante freqüente.

• Cooperativas de apoiadores: Grupos de catadores organizados por pessoas que não tem histórico na catação e se auto-declaram catadores (mas tem perfil de apoiador) para exercer uma liderança sem nenhum compromisso com o processo emancipatório dos catadores. Apoiadores só deveriam fazer parte de uma cooperativa de catadores de materiais recicláveis se fosse no conselho consultivo, sem direito a voto e sem direito a renda.

As cooperativas de catadores podem ser consideradas como uma atividade econômica que integra outros aspectos importantes como social, ambiental. Essas atividades, aliadas aos serviços governamentais já existentes, contribuem para a geração de emprego e renda, proteção aos recursos naturais, educação ambiental e inclusão social e a prestação de serviços públicos.


A economia solidária de fato se constrói nos interstícios que as crises inerentes ao capitalismo deixa desocupados. [...] é o lixo que infesta as cidades que é reciclado por cooperativas de catadores. O maior desafio é motivar e resgatar a multidão deixada à margem, fazendo-a ver que sua emancipação é possível desde que se tornem os protagonistas dela.” (Singer, 2003, p. 109-111).

Para Singer (2003), a elevação do nível de trabalho e de produção das novas cooperativas, quadros especializados, contando com profissionais e entidades que assessoram a formação de cooperativas populares, com vistas a assegurar a sustentabilidade e sobrevivência das mesmas em um mercado altamente competitivo.

“ No caso específico dos catadores, eles só poderão alcançar renda digna se puderem dominar as etapas subseqüentes à catação: separação, compressão, reprocessamento dos materiais, produção de novos bens. Os catadores terão de se organizar para exigir e conquistar uma política ambientalista e social por parte das autoridades municipais” (Singer, 2003, p. 109-111).

Os catadores se organizam em cooperativas para coordenar suas atividades e ganhar espaço no mercado reciclador. No final dos anos de 1980, a partir da OAF – Organização de Auxílio Fraterno, iniciou-se o processo de organização dos catadores, dando início à experiência da Coopmare (Cooperativa de Catadores Autônomos de Papel, Aparas e Materiais Reaproveitáveis) em São Paulo e que serviu de referência para a criação de outras instituições de renome na sociedade como a ASMARE (Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável) em Belo Horizonte. Esta instituição teve o apoio da Cáritas Brasileira e a Federação das Associações de Reciclagem do Rio Grande do Sul, apoio fundamental para o sucesso da cooperativa.


Em 2001 eventos como o 1° Congresso Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis e a 1ª Marcha da População de Rua foram realizados, sinalizando grandes avanços desse setor e que resultaram na criação do Movimento Nacional de Catadores.



“os meios de comunicação de massa começaram finalmente a tomar conhecimento desta movimentação e incluem em seus noticiários esporadicamente reportagens sobre cooperativas que conseguiram gerar trabalho e renda para seus membros. Cada vez que reportagens como essas são exibidas na televisão, dezenas de grupos procuram as incubadoras universitárias e outras entidades que apóiam o novo cooperativismo”. (Singer, 2003, p. 27)


Na Bahia, as políticas públicas voltadas ao fomento de cooperativas de catadores de recicláveis foram iniciadas com a Lei nº 7.988 de 21 de dezembro de 2001 que criou a Secretaria de Combate a Pobreza e as Desigualdades Sociais – SECOMP e Fundo Estadual de Combate a Erradicação da Pobreza – FUNCEP. A Secomp tinha a finalidade regimental de promover, coordenar, acompanhar e integrar as ações governamentais destinadas a reduzir a pobreza e a desigualdade social e suas respectivas causas e efeitos. O FUNCEP foi instituído para vigorar até 2010 e é oriundo das receitas arrecadadas de 2% do ICMS incidentes sobre alguns produtos e serviços e tem como objetivo viabilizar à população do Estado o acesso a níveis dignos de sobrevivência e qualidade de vida. No estudo realizado pela Secretaria Nacional de Economia Solidária em 2004, três programas desenvolvidos pela secretaria que constituem as estratégias para o fomento e implementação de políticas de geração de trabalho e renda: ONG Forte, Família Produtiva e Reciclar para Crescer. Estes programas têm como pilares a metodologia participativa, a sustentabilidade, a articulação e parcerias entre órgãos governamentais e não governamentais, a disseminação de redes sociais, culminando com os princípios da economia solidária.


O Programa Reciclar para Crescer pôde ser considerado a principal ação de política pública no segmento de cooperativas de catadores realizada pelo governo do Estado da Bahia, tendo como desafio articular com outras Secretarias Estaduais e Municipais, o setor privado e o terceiro setor. Durante o período de março de 2003 a dezembro de 2004 o Programa desenvolveu o projeto ECO-CIDADANIA – Projeto de Coleta Seletiva e Organização de Cooperativa de Catadores de Resíduos Sólido, e termos de compromissos e convênios entre o governo do Estado e organizações do 3º setor foram firmados.


O Programa Reciclar para Crescer possuiu quatro linhas de ações: Geração de trabalho e renda; melhoria habitacional; desenvolvimento comunitário e preservação do meio ambiente.

Na linha de ação de geração de trabalho e renda, o Programa previa a geração de novas vagas de trabalho e de renda ao incentivar e apoiar o setor da reciclagem e reutilização de resíduos sólidos através da melhoria das condições de trabalho da população carente que sobrevive deste setor, da formação de cooperativas e da qualificação profissional. É nessa ocasião que a CAEC, cooperativa que será analisada neste trabalho, é apoiada pelo Projeto Eco-Cidadania.

Com a criação da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte em 2005 o Programa Reciclar para Crescer passou a fazer parte da SESOL - Superintendência de Economia Solidária e tem como meta apoiar 10 entidades e, para isso, conta com recurso de R$ 1.000.000,00.



3.2 Os benefícios das cooperativas dos catadores


Catar lixo é uma atividade que representa uma série de riscos para a saúde, desde os relacionados com as condições anti higiênicas àqueles ligados às condições de violência e insegurança que envolvem os catadores de recicláveis, os mais pobres dentre os pobres.


De fato, a catação de lixo está entre as ocupações mais perigosas e socialmente marginais. Por meio da constante exposição a materiais perigosos e fumaças tóxicas nos aterros, os catadores de lixo estão submetidos a um alto risco de acidentes e doenças. Normalmente trabalham no anonimato, muitas vezes no período da noite, sem proteção policial e sofrem preconceito da sociedade em função da associação ao lixo. Pode-se encontrar em muitos lixões espalhados pelo Brasil até famílias inteiras exercendo essa atividade e muitas até vivem nesses locais. São pessoas que recorrem ao lixo em busca da sobrevivência, muitos imigraram do campo para a cidade e outros estão desempregados. Eles também podem ser vistos separando sacos de lixo nas calçadas das cidades, parques públicos, ou nos pontos comerciais. Muitos usam o carro de mão como meio de transporte e outros puxam carroças cheias de plásticos, papelão e latas de alumínio.


Os fatores que levam essas pessoas a sobreviverem sob condições subumanas estão associados ao crescimento incessante das cidades não acompanhado de um gerenciamento de resíduos eficiente. Outro, é a expansão do consumo de descartáveis o que enriquece o lixo com materiais vendáveis aliado ao crescimento das indústrias recicladoras. Por último, o desemprego que tem levado milhares de pessoas a se dedicar à catação de lixo, muitas vezes como opção por dignidade, ao invés de atuarem em atividades alheias normalmente presentes nos cenários de pobreza.

A presença de pessoas que vivem da catação de lixo se deu no processo de industrialização. Já no começo do século XX há registros de imigrantes espanhóis que trabalhavam como compradores de sucata no bairro do Brás, em São Paulo. Apelidados de “garrafeiros” eram respeitados nos bairros e vilas das cidades, mas, ao longo do tempo, desapareceram, dando lugar aos catadores. Essa mudança revela, por um lado, que o crescimento das cidades e o modelo de consumo alteraram de forma significativa a quantidade de resíduos gerados e por outro lado, o aumento do nível de desemprego e maiores exigências para ter acesso ao mercado de trabalho.



O crescimento da atividade de catação tem fortes vínculos com níveis extremo de pobreza. Esses catadores compõem um importante grupo que contribui para a gestão de resíduos sólidos urbanos, mesmo que a grande maioria atue de forma anônima. Muitos desses trabalhadores constituem uma massa de desempregados que, por sua idade, condição social, baixa escolaridade não conseguem emprego. Existem também aqueles que mesmo escolarizados, não conseguem entrar no mercado de trabalho pelo avanço da tecnologia e digital ou muitas vezes possuem vidas marcadas pela violência doméstica e urbana, e pelo preconceito. Geralmente, são explorados por sucateiros, muitas vezes sob chantagem, entregam seus materiais a preços bem inferiores aos de mercado.
Com base nas expectativas de melhoria de vida, os catadores começam a se organizar para melhorar suas condições de trabalho e educar a sociedade sobre os benefícios sociais.

De acordo com palestra apresentada pelo Cempre em Audiência com o Senado Federal em Brasília (15 de agosto de 2007) , o Investimento versus postos de trabalho gerado é em média de R$ 2.500 / posto de trabalho. No Nordeste a média é 10 a 15 toneladas /mês por cooperativa. A renda média do catador é de aproximadamente 1,5 salários. Já no Nordeste cai para aproximadamente 1 salário. Segundo a pesquisa, um catador pode ganhar de R$ 1.500 a R$ 2.500 líquidos por mês. As Cooperativas têm um investimento fixo de R$ 50.000 a 100.0000 de acordo com a capacidade.

Os benefícios de uma cooperativa de catadores são substanciais e mensuráveis, pois a reciclagem informal gera receitas para centenas de famílias e reduz a pobreza. Propicia também a reutilização de materiais pelas indústrias, reduzindo os custos e melhorando a competitividade das mesmas. Além disso, as cooperativas de catadores contribuem para reduzir o espaço ocupado em aterros sanitários, aumentando a sua vida útil. Esses fatores contribuem para que a formação de cooperativas de catadores tenha potencial para ser uma forma de desenvolvimento sustentável.

No aspecto ambiental, a atuação dos catadores é a principal ferramenta de apoio à coleta seletiva e a reciclagem de resíduos sólidos. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico realizada pelo IBGE, em 2000, coleta-se no Brasil diariamente 125,281 mil toneladas de resíduos domiciliares, e 52,8% dos municípios Brasileiros dispõem seus resíduos em lixões. Em cidades onde a população urbana até 30 mil habitantes a geração per capita é de 0,50kg/dia . De 30 mil a 500 mil, a geração varia de 0,50 a 0,80 kg/dia. De 500 mil a 5 milhões – 0,80 a 1. Já acima de 5 milhões a geração per capita é maior que 1 kg por dia .

Todos os dias os catadores evitam que toneladas de resíduos sejam destinados aos aterros sanitários, aumentado a vida útil dos mesmos ou que sejam jogadas nos lixões. Apesar disso, a grande maioria desses profissionais trabalha no anonimato e em condições extremamente precárias.

Já no aspecto econômico, mesmo com todos os obstáculos do mercado reciclador, os catadores são responsáveis por cerca de 90% do material que alimenta as indústrias recicladoras no Brasil. Além da contribuição ambiental, possuem um importante papel na economia, pois garimpam no lixo resíduos que voltam ao processo produtivo como matéria-prima secundária.

No final da década de 80, o termo reciclagem no Brasil começou a se difundir na mídia, ganhando vasto apoio de ambientalistas, gestores públicos, preocupados com a escassez cada vez mais evidente dos recursos naturais não renováveis e com a carência de espaço para dispor o grande volume de lixo gerado diariamente. Desde então, esforços têm sido direcionados para mitigar este grave problema que, apesar do forte apelo ambiental e sócio-econômico, ainda persiste passados quase 20 anos. O fato é que a coleta de material reciclável bem como o processamento deste material não tem dado vazão à produção gerada pelo crescente nível de consumo per capita do país. Em outras palavras, ainda existe uma grande lacuna para investimentos em reciclagem no Brasil, tendo como aliados de peso o desenvolvimento sustentável e a responsabilidade social, conceitos cada vez mais internalizados pelas empresas e indivíduos.



Um importante fato que corrobora a atratividade deste tipo de investimento é a entrada em vigor, a partir de 25/10/06 do Decreto n° 5.940, no qual o governo federal institui a separação de resíduos recicláveis em órgãos e entidades da administração pública federal e sua destinação para associações e cooperativas de catadores. Nesse mesmo dia, o BNDES lançou uma linha de crédito para cooperativas de catadores para financiar investimentos em infra-estrutura, aquisição de equipamentos, assistência técnica e capacitação dos cooperados. Trata-se de uma linha de crédito composta de recursos não reembolsáveis do banco, oriundos do fundo social da instituição.



Outro fator motivador para este negócio são os números da reciclagem no Brasil. Segundo o Cempre, dos 5.560 municípios brasileiros, apenas 327 têm programas de coleta seletiva. Em primeira instância, parece ser pouco. Mas, comparado há dez anos houve num progresso significativo, pois em 1994 eram apenas 81. O lixo virou negócio, mesmo que das 125,28 mil geradas diariamente no país 20% tenham como destino os lixões e aterros sanitários. Além dos benefícios sócio ambientais esse negócio representou R$ 7 bilhões de faturamento em 2005, gerando 500 mil empregos para os catadores e mais de 50 mil funcionários das indústrias recicladoras.



Esse cenário promove o Brasil entre os primeiros dos países recicladores, ficando entre os dez maiores recicladores de papel e papelão do mundo.


De acordo com o estudo realizado pelo CEMPRE o mapa da reciclagem no Brasil destaca uma maior concentração nas regiões sul e sudeste que corresponde a 83% das indústrias de reciclagem, 87% das cooperativas, 75% dos sucateiros e 81% dos sucateiros recicladores.

São aproximadamente 2.361 indústrias recicladoras no Brasil. São 43 no Norte, 301 no Nordeste, 150 no Centro Oeste, 722 no Sul e a maior concentração no Sudeste, com 1.145 empresas.



3.3 Modelos de gestão de duas cooperativas de catadores na Bahia

 

Para analisar modelos de gestão de cooperativas de catadores foram realizadas visitas à CAEC e COOPMARC, entrevista com representantes e pesquisas em publicações na internet.



COOPMARC - COOPERATIVA DE MATERIAIS RECICLÁVEIS DE CAMAÇARI


A COOPMARC surgiu do interesse de profissionais de diversas áreas e que encontravam-se desempregados preocupados com a questão da preservação do meio ambiente e da qualidade de vida da população. Em todo o tempo de atuação, a cooperativa já evoluiu bastante e obteve resultados impressionantes na reciclagem de resíduos recicláveis na cidade de Camaçari-Ba. Em setembro de 1999,no micareta da cidade, foi formado um pequeno grupo de pessoas que iniciou uma coleta seletiva durante a festa. Ainda com pouca experiência, mas com muita dedicação, foram coletados cerca de três caminhões de materiais..



Todos os envolvidos no processo possuem uma preocupação especial com a questão ecológica e sua importância para a preservação do ecossistema, preservação dos recursos exploráveis do planeta e uma melhor qualidade de vida para todos.



Durante alguns meses ocorreram várias reuniões com os lideres da cooperativa, daí, partiram decisões importantes para a formação da cooperativa: documentação frente aos órgãos municipal e estadual, criação de um estatuto (onde reza os objetivos principais e normas da Coopmarc). A Limpec - Limpeza pública de Camaçari, empresa do município responsável pela coleta de resíduos, possuía uma área onde realizava pequena coleta seletiva. Observando o bom trabalho da cooperativa, cedeu na época uma área de 2.200m2, localizada na rua José Nunes de Matos, centro de Camaçari. Iniciava-se um novo momento no curso da cooperativa. Desta data então, houve uma verdadeira revolução no sistema da coleta na cidade, uma vez que diversos colaboradores recorrem à cooperativa para escoar muitos materiais recicláveis.



Foram meses de trabalhos intensos, através de contatos com diversos comerciantes da cidade e a comunidade, com sistema de coletas seletivas. A cooperativa tem autorização do CRA, para manusear e transportar os recicláveis. Vários contatos foram mantidos com empresas de maior porte, a partir de então a Coopmarc foi ganhando espaço e credibilidade em toda a cidade e nas empresas do pólo petroquímico de Camaçari, de onde vieram os primeiros parceiros comerciais.



Durante este período, os membros da Coopmarc sempre participaram de palestras nas escolas e setores da sociedade para transmitir novas idéias acerca da preservação do meio ambiente e maneiras mais eficientes de coleta seletiva de recicláveis. Com a doação da prensa hidráulica para compactação de papelão e outros materiais reduziu substancialmente o volume de material utilizado para armazenamento. Com a experiência acumulada passou-se a separar de modo mais efetivo os recicláveis de modo sistemático.



Existem diversos planos e metas a serem cumpridas pela Coopmarc, como: planos de saúde para os associados; creche escola para os filhos dos associados, novos máquinas para trituração de papel, grêmio, horta, oficina de materiais recicláveis para a comunidade, caminhão para transporte de materiais, serviço de drenagem de esgotos e reflorestamento. A Coopmarc se orgulha de manter um excelente ambiente de trabalho, apostando em pilares como a credibilidade, melhor qualidade de vida para sociedade e auto estima entre seus associados.



No entanto, observa-se nessa cooperativa que o critério de ingresso na organização é para indivíduos desempregados que tenham interesse na ocupação de preparar os resíduos recicláveis para comercialização, o que a difere da maioria das cooperativas de catadores do Brasil. Enquanto as demais são constituídas a partir da organização dos catadores de rua, esta tem como prioridade a geração de emprego, independente da ocupação dos membros da cooperativa. No entanto, constata-se que a operação da cooperativa se dá nos mesmos métodos das demais, desde a constituição legal até os procedimentos operacionais. O princípio de solidariedade e ajuda mútua entre eles é evidente, mesmo que não tenham vivido a mesma realidade de um catador de lixo autônomo. Por outro lado, o critério de formação dessa cooperativa – desempregados e não tão somente catadores de rua, abre um espaço para discussão a respeito do princípio que rege as cooperativas de catadores no Brasil, enraizadas pelos movimentos sociais de rua.


CAEC – COOPERATIVA AGENTES ECOLÓGICOS DE CANABRAVA


Os atuais cooperados da CAEC são ex-catadores do extinto lixão de Canabrava que, para sobreviverem, disputavam o que chegava nos caminhões entre cães e urubus. Após saírem deste ambiente que induzia à competição, passaram a participar de uma cooperativa, cujo lema é a cooperação e a solidariedade entre os cooperados.


A CAEC é uma das iniciativas voltadas para a promoção dos catadores de material reciclável, em Salvador. Foi fundada por catadores remanescentes do antigo Lixão de Canabrava em maio de 2003. No auge do lixão de Canabrava, 700 catadores adultos e 330 crianças disputavam o que chegava nos caminhões. Fritavam ovos e restos de comida ali mesmo, utilizando o gás metano que exalava do solo, em meio à imundície. O trabalho era de 24 horas por dia. Os metais e plásticos que recolhiam eram vendidos; não havia coleta seletiva.



À noite, a iluminação vinha dos candeeiros improvisados e a fumaça contribuía para aumentar as doenças pulmonares. A idéia da Cooperativa nasceu a partir de um projeto elaborado pelo Pangea – Centro de Estudos Socioambientais que faz o treinamento e viabiliza recursos de parceiros para a infra-estrutura e benefícios como cesta básica e vale transporte. A primeira organização a acreditar na idéia foi a italiana Cospe - Cooperação para o Desenvolvimento dos Países Emergentes, que buscou financiamento junto à União Européia. Atualmente parceiros da CAEC a Secretaria Estadual de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais, o Programa Fome Zero, Bahiapet, Braskem, Projeto Axé, Chesf, Petrobrás, SRH e vários condomínios de Salvador.



Além de contar com a assessoria do Pangea, os cerca de 100 catadores inicialmente cadastrados foram ajudados, na capacitação, pela Limpurb. Os cooperados da CAEC aliaram o conhecimento já adquirido na catação de resíduos recicláveis no antigo lixão às informações técnicas do pessoal do Pangea. Hoje, os integrantes da CAEC fazem um trabalho de porta em porta nos condomínios próximos à sede da cooperativa, que fica no bairro de São Marcos. São Rafael, Canabrava e Imbuí são alguns locais onde os catadores, devidamente fardados e acompanhados dos seus carrinhos coletores, recolhem material reciclável e divulgam noções básicas de educação ambiental por meio de panfletos e outros impressos. Com a ajuda de escolas, condomínios e empresas que aceitam a colocação de seus contêineres, a cooperativa tem conseguido vender de 35 a 40 toneladas/ mês de materiais como papel, papelão, plástico, pet e metais. O vidro é doado para o hospital do câncer. Um problema ainda é a perda de cerca de 15 % do material coletado por se tratar de resíduos não-recicláveis como papel carbono, copos descartáveis, clipes, disquetes e outros que as pessoas descartam como se fossem recicláveis. Para reforçar o volume coletado, os técnicos do Pangea firmam parcerias com grandes empresas geradoras de resíduos recicláveis, a exemplo de fábricas que utilizam papelão nas suas embalagens.



Uma diferença básica na operação da coleta seletiva da CAEC, em relação à que é feita pela prefeitura, é que, para participar basta separar o que é material reciclável do que não é reciclável, não sendo necessário separar por tipo de material – plástico, metal, papel e vidro. Durante os três primeiros meses da atividade produtiva, os cooperados não conseguiam mais do que R$ 60, por pessoa. Hoje, já



conseguem obter uma renda média de R$ 300 por mês, além de outros benefícios como cesta básica, vale transporte e refeição.



3.4 A atuação dos catadores no município de Dias d’Ávila



A cidade de Dias D’ávila está localizada na Região Metropolitana de Salvador a 54 km da capital baiana. Com um grande potencial hídrico e conhecida em todo Brasil pela qualidade de sua água mineral, essa característica natural a tornou conhecida como “Cidade das Águas”. Sua fama como estância hidromineral se deu no decorrer do século passado, tendo seu auge entre a década de 60 e 80 com muitas casas de veranistas por toda cidade e muitos ônibus de excursões chegavam nos fins de semana, vindos das cidades vizinhas para passar o dia desfrutando dos rios de águas limpas e cristalinas como o rio da Nascente e o balneário do rio Imbassay, que contava também com sua lama medicinal descoberta pelo naturalista, Padre Camilo Torrend.



Além das características ambientais que precisam ser preservados, o município está a 10 km do Pólo Petroquímico de Camaçari, grandes geradoras de resíduos recicláveis e que encontram dificuldades para escoar este material.É importante ressaltar que o pólo industrial está localizado na cidade de Camaçari, vertendo conseqüentemente toda a carga tributaria das indústrias para lá, criando, assim, um déficit de arrecadação para a cidade, haja vista que, o crescimento da receita não acompanhou o crescimento da população, principalmente após a chegada do complexo automotivo Ford, que trouxe pessoas de todo pais atraídos pelos empregos gerados. A cidade acolheu os trabalhadores, suas demandas sociais e de seus filhos, mas não suporta a riqueza gerada por eles, e os impactos ambientais e o desemprego já são videntes.



Com uma área de 189.074 km2, possue uma população estimada de 60 mil habitantes, clima tropical úmido a apenas 3 metros do nível do mar, limita-se ao norte com Mata de São João, ao sul com Camaçari e Simões filho e oeste com São Sebastião do Passe e Candeias. A maior parte de sua mão de obra ativa depende dos empregos do Pólo Petroquímico de Camaçari e do comércio local.



O sistema de coleta dos resíduos sólidos do município, conforme dados concedidos em entrevista com a gerência da Limpedd , abrange todos os bairros da cidade. Em 33% a coleta é diária e 67% três vezes na semana, sendo que a maior dificuldade para o recolhimento está nos bairros onde as ruas ainda não estão pavimentadas. São realizadas cinco tipos de coleta que são: Coleta Domiciliar, Coleta Comercial, Coleta de Serviços de Saúde, Coleta de restos de podas e Entulhos. O total de resíduos urbanos recolhidos é de aproximadamente 102 toneladas/dia, sendo que 22 toneladas são lixo domiciliar, 80 toneladas de entulhos e 250 quilos de lixo hospitalar. A participação dos materiais recicláveis que consta no lixo domiciliar é de 3 toneladas por dia, oriundo de doações de algumas empresas da região.



Esses resíduos coletados pela Limpedd são levados diretamente para o Aterro Sanitário da Limpec no município de Camaçari, já que Dias d’Ávila não possui aterro controlado. Este aterro sanitário foi implantado em 1995, com capacidade para receber os resíduos orgânicos por 10 anos, mas durou apenas 6 anos, tendo que ser ampliado em 2001 para suportar a demanda de resíduos por mais 15 anos. Esta cena se repete em todo o Brasil e no mundo, pois os aterros estão cada vez mais lotados e os espaços para novos aterros estão escassos. O deslocamento dos caminhões até o município vizinho aumenta significativamente o custo com esse serviço e afeta a eficiência da coleta na cidade, uma vez que é preciso otimizar os deslocamentos dos veículos para diminuir os custos.



Em entrevista realizada pela autora com moradores e representantes de segmentos sociais 70% dos entrevistados são insatisfeitos com a freqüência da coleta de lixo realizada pela Prefeitura em diversos bairros da cidade. Em alguns casos, o caminhão de coleta não passa por vários dias, ocasionando transtornos como reviramento de lixeiras pelos animais, espalhamento dos resíduos pelas ruas, mau cheiro e proliferação de vetores de doenças associadas ao lixo. Outra questão apontada durante as entrevistas são os entulhos e restos de podas de jardins que ficam por vários dias expostos à espera da coleta pela prefeitura.



Até 2008 a Limpedd contava com uma estação de transbordo na cidade e neste local também se recebia recicláveis doados por empresas da região que eram comercializados e a receita investida nos próprios funcionários da Limpedd. Esta estação foi desativada em função do prédio encontrar-se totalmente sem condições de uso por falta de manutenção e a partir de então os resíduos coletados são levados diretamente para o aterro da Limpec.



Em diversos bairros da cidade podem ser verificadas iniciativas de lixões à céu aberto, comprometendo a saúde dos moradores. O descarte clandestino de resíduos tem provocado impactos ambientais, sociais e econômicos em diversas regiões da cidade, destacando-se proliferação de vetores de doenças relacionadas ao lixo e poluição, contribuindo para redução da qualidade de vida da população, como é o caso do lixão localizado no bairro da Nova Dias d’Ávila existente há mais de 10 anos que, segundo informações coletadas durante uma entrevista com o secretário de Administração e Serviços Públicos – SEASP, foi concedido pela Conder para armazenar apenas entulhos coletados pela Prefeitura. Em visita ao local, observou-se a presença de outros resíduos recicláveis e não recicláveis de fonte desconhecida. De acordo com um morador local, todos os dias à noite esse lixo é queimado por agente desconhecido, poluindo o ar do bairro.



O comércio da cidade composto por supermercados de médio e pequeno porte, além das diversas lojas e restaurantes, tem uma forte influência para geração de resíduos recicláveis. Já o setor industrial está concentrado no Pólo Empresarial Gov. César Borges, a 3 km do centro da cidade possui empresas com certificação da NBR ISO 14001 e que não encontram opções de destinação adequada para seus resíduos.



Apesar do gerenciamento de resíduos sólidos do município apresentar deficiência, observa-se um potencial de reaproveitamento dos recicláveis encontrados no lixo. Com muita freqüência, os garis separam esses recicláveis durante a coleta, muitas vezes deixados pelos moradores, outras encontradas misturadas ao lixo e comercializam, de forma individual e independente, com empresas intermediárias com os chamados sucateiros e aparistas da cidade, tornando-se concorrentes dos catadores. Em função disso, os catadores procuram chegar com muito antecedência ao caminhão de coleta da prefeitura para conseguir coletar o seu sustento, principalmente na região do comércio, onde as lojas deixam nas portas dezenas de caixas de papelão e nas pizzarias que descartam muitas garrafas de refrigerante.



Por outro lado, pode-se observar o potencial de resíduos recicláveis gerados no município, tendo em vista a quantidade de pessoas que sobrevivem, não só do reviramento de lixeiras públicas e sacos de lixo das residências, como também de iniciativas de comerciantes e moradores que separam e doam voluntariamente os recicláveis aos catadores. Trata-se de uma relação de troca, na qual o gerador do resíduo contribui socialmente para a subsistência das pessoas que sobrevivem da catação, ao mesmo tempo em que destina corretamente o resíduo por ele gerado.



Os catadores são, na maioria, moradores do município, que se encontram abaixo da linha de pobreza e realizam seu trabalho silenciosamente e no anonimato, ignorando, no entanto, a relação entre a atividade que exercem e os benefícios ambientais, diante da vulnerabilidade social na qual estão inseridos. È necessário construir ações de enfrentamento da exclusão social dos catadores, buscando soluções para problemas crônicos tão distintos, mas ao mesmo tempo, originados pelo reflexo do sistema econômico capitalista.



Para cohecer melhor a realidade dos catadores desse município, a autora entrevistou dezenove pessoas no período de junho a dezembro de 2004, que estavam exercendo a atividade nas ruas da cidade. Para iniciar as entrevistas, a autora fez uma abordagem inicial para apresentar o objetivo do trabalho e pedir permissão ao catador para uma entrevista. Nesta entrevista, foi preenchido um questionário com trinta questões voltadas para analisar as condições sócio-econômicas do catador. Na seqüência, foi solicitada ao catador permissão para conhecer o local onde mora e registrar com fotos. Apenas nove catadores permitiram essa visita.



Ficou evidente o receio que essas pessoas possuem em dar informações sobre o seu trabalho e muitos sentiram vergonha ao falar a respeito. Estavam ali para sobreviver sem se dar conta da importância do seu trabalho para o meio ambiente. Muitos não tinham muito tempo disponível em função da necessidade da catação e comercialização do material para se alimentar e, por conta disso, muitos catadores fazem apenas uma refeição por dia, na maioria das vezes, à noite quando retornam da catação.



Os catadores realizam a coleta em carrinhos (tração humana) individualmente por toda a cidade, muitas vezes revirando lixeiras públicas para encontrar a sua sobrevivência e acompanhados de seus filhos que ajudam na catação.
A maioria (80%) é do sexo masculino e boa parte das mulheres eram companheiras do catador. O índice de 54% de catadores que estão juntos seja por casamento ou união consensual indica que mesmo com as dificuldades do dia a dia, preferem viver em família ou já viviam em família antes de entrar para o ramo da catação. Já os 40% de solteiros observou-se que a maioria já teve família que foi desfeita por problemas financeiros e vícios como alcoolismo e drogas, conseqüentes do desemprego freqüente.


Foram encontrados poucos jovens entre os catadores, apenas 7%. Já na faixa etária entre 42 e 49 anos o diagnostico identificou um índice de 43%. Outro aspecto relevante é a quantidade de idosos que atuam na catação (20%). Esses idosos apresentavam doenças relacionadas à atividade como escoliose (devido ao excesso de peso dos carrinhos) e doenças dermatológicas adquiridas pelo contato direto com o lixo sem usar equipamentos de proteção individual.




Tabela 1:- Situação dos Catadores do município de Dias d’Ávila em 2004



Distribuição conforme faixa etária



18 - 25 anos 7%



26 – 33 anos 10%



34 – 41 anos 13%



42 – 49 anos 43%



50 – 57 anos 7%



Acima de 57 anos 20%



Fonte: entrevista realizada pela autora



Os idosos presentes na catação que foram entrevistados moram sozinhos ou apenas com companheiro(a) e não usufrui de benefícios sociais. 80% não possui documentação de identificação e por esse motivo não consegue solicitar os benefícios inerentes.




Fig. 3: Uma das formas de trabalho dos catadores nas ruas da cidade



O índice de analfabetismo constatado representa 27% e 50% não completou o ensino fundamental. Apesar da rotina árdua, 80% demonstraram interesse em voltar a estudar.

Tabela 2: Situação dos Catadores do município de Dias d’Ávila em 2004



Distribuição conforme grau de escolaridade



Alfabetizado 7%



Não alfabetizado 27%



1ª a 4ª série 27%



5ª a 8ª série 23%



2º grau incompleto 3%



2º grau completo 7%



Fonte: entrevista realizada pela autora



Quanto ao tipo de moradia dos catadores entrevistados, constatou-se que 40% possui casa própria, 20% cedida, 13% mora com parentes, 7% invadida e nenhum morador de rua.



Tabela 3 : Situação dos Catadores do município de Dias d’Ávila em 2004



Distribuição conforme forma de moradia



Própria 40%



Alugada 13%



Cedida 20%



Invadida 7%



Mora com parentes 13%



Mora na rua 0%



NR 13%



Fonte: entrevista realizada pela autora



O tipo de moradia predominante é casa (50%), 23% apenas um quarto, 17% em barracos. Em visita ao local de moradia de alguns catadores, observa-se que mesmo sendo casa própria as condições são muito precárias de infra-estrutura e sanitária.



Tabela 4: Situação dos Catadores do município de Dias d’Ávila em 2004



Distribuição conforme tipo de moradia



Casa 50%



Barraco 17%



Quarto 23%



Outros 3%



NR 7%



Fonte: entrevista realizada pela autora



Muitos catadores utilizam suas residências para armazenar os recicláveis coletados nas ruas para posterior comercialização. Para que esse acúmulo de material seja suficiente são realizadas, diariamente, várias viagens dos pontos de coleta até a residência. Quando o ponto de coleta é muito distante, vão direto para o aparista ou sucateiro vender o material.



Um aspecto que chamou a atenção durante as entrevistas é que os catadores que consomem bebida alcoólica ao vender o material para um sucateiro que possui comércio, ao invés de receber a receita proveniente da comercialização, preferem trocar por bebidas alcoólicas.



37% consome bebida alcoólica, 43% não e 20% não quis informar. As doenças são muito comuns entre os catadores, principalmente dores no corpo devido ao excesso de peso dos materiais que são carregados diariamente, exposição excessiva ao sol sem proteção, doenças dermatológicas adquiridas com o contado com o lixo sem usar proteção. Por falta de tempo, a maioria não cuida da saúde e não se alimenta direito.


37% já sofreram acidentes durante a catação e 60% não, 3% não quis informar. Já 47% não usa EPI, 30% usa e 23% não quis informar. A maioria dos acidentes ocorreu ao entrar em containeres para catar o lixo.



Tabela 5 : Situação dos Catadores do município de Dias d’Ávila em 2004



Distribuição conforme período de catação



Menos de 1 ano 23%



1 a 2 anos 13%



2 a 4 anos 13%



Mais de 4 anos 41%



NR 10%



Fonte: entrevista realizada pela autora





Foram encontradas pessoas que estão nessa profissão há mais de quatro anos (41%) e a maioria (33%) não queria ser catador, mas em função do desemprego não houve escolha. Quanto a lucratividade do negócio apenas 27% estavam ali por esse motivo.



Tabela 6 : Situação dos Catadores do município de Dias d’Ávila em 2004



Distribuição conforme móvito de inserção na catação



Desemprego 33%



Sobrevivência 30%



Renda Extra 3%



É mais lucrativo 27%



NR 7%



Fonte: entrevista realizada pela autora



Apesar do desemprego ter sido o principal motivo para os catadores ingressarem no ramo catação de recicláveis, a autora observou que pela facilidade de venda do material e por ter acesso ao dinheiro resultante da venda dos materiais diariamente para suprir as necessidades de sobrevivência, muitos catadores passaram a gostar da profissão. Catar recicláveis passou a ser uma opção mais segura de sobrevivência



Tabela 7 – Situação dos Catadores do município de Dias d’Ávila em 2004



Distribuição conforme veículo de coleta



Carro de mão 69%



Carroça 7%



Bicicleta / Mobilete adaptada 10%



Carro apropriado 7%



Não possui 7%



Fonte: entrevista realizada pela autora



O carro de mão é o veículo de coleta predominante entre os catadores do município (69%) e aqueles que não tem (7%) usam o carro de mão do colega emprestado, um verdadeiro indício de solidariedade entre eles.



Esse tipo de veículo de coleta (carro de mão) é muito frágil para a atividade da catação, já que os catadores precisam, numa só viagem, coletar material suficiente para justificar o esforço físico e receber o dinheiro suficiente para suprir suas necessidades diárias, principalmente alimentação. Por esse motivo, sobrecarregam o veículo e as quebras dos mesmos são muito freqüentes.



37% dos entrevistados confirmaram ter sofrido algum tipo de preconceito por ser um catador de recicláveis ou durante a catação. 30% relatou não ter sofrido algum tipo de preconceito e 33% não soube informar.




Tabela 8 – Situação dos Catadores do município de Dias d’Ávila em 2004



Distribuição conforme renda familiar



Menos de 1 salário mínimo 33%



1 salário mínimo 7%



De 1 a 2 salários mínimos 0%



Acima de 2 salários mínimos 7%



NR 3%



Fonte: entrevista realizada pela autora


4. CONDIÇÕES PARA FORMAÇÃO DE UMA COOPERATIVA DE CATADORES



Após conhecer a realidade de trabalho dos catadores e da situação de gerenciamento dos resíduos urbanos no município de Dias d’Ávila, analisa-se, neste capítulo as condições necessárias para a formação de uma cooperativa de catadores de recicláveis neste município.


Através da formação de uma cooperativa, delineia-se uma nova política sócio-ambiental no município, contribuindo, principalmente para a promoção de melhoria da condição de vida de uma parcela da população. A diminuição da desigualdade social é um dos caminhos imprescindíveis que converge para a melhoria do crescimento econômico e conseqüente melhoria social. A formação de uma Cooperativa de Catadores em Dias d’Ávila poderá contribuir para a inclusão social e geração de renda aos catadores já existentes, no âmbito de seus familiares, e minimizará o volume de resíduos sólidos no município, através da prática da coleta seletiva solidária.


As informações a seguir são baseadas no Guia para Implantação de Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis , desenvolvido pelo Sebrae – SP junto com o IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas.


O sucesso da implantação de uma cooperativa se dá quando há efetiva participação da sociedade e que deve perdurar por todas as fases do seu desenvolvimento. Além da doação dos recicláveis, a cooperativa pode contar com o apoio voluntário de profissionais da sociedade para pressionar o poder público nas tomadas de decisões quanto à incentivos à cooperativa. Esta relação com a sociedade deve ser contínua e se dá através do processo educativo que favorece tanto a instituição, como a mudança de hábitos e posturas das pessoas que apóiam esta iniciativa.


Para a formação de uma cooperativa de catadores devem ser consideradas as condições básicas de sustentação do negócio. Estas condições além de estabelecer a qualidade da organização e a relação entre seus cooperados, favorecem a conquista da legitimidade e apoio junto à população, que por sua vez, diminui os riscos de descontinuidade em função da troca de governo local. Quanto a mão de obra, de modo geral as cooperativas não têm vínculo empregatício com os cooperados. São, portanto, trabalhadores autônomos que recebem de acordo com a quantidade de material coletada ou em razão da receita obtida pela cooperativa.


Para a documentação legal, com a ajuda de um advogado, os cooperados devem elaborar um estatuto, ressaltando que a lei exige um número mínimo de 20 pessoas para formar uma cooperativa. È necessário também cadastrar a entidade junto à Prefeitura e são passíveis aos impostos como ICMS e IPTU.


O apoio da Prefeitura Municipal é fundamental para estabelecer programas e políticas públicas para incentivar a prática da coleta seletiva solidária, incluindo os catadores em seus programas de coleta de resíduos e também, incentivar a instalação de indústrias recicladoras no Pólo Empresarial Governador César Borges para ampliar as possibilidades de negociação dos materiais recicláveis, além de participar efetivamente da coleta seletiva e destinar seus resíduos para a cooperativa. Por outro lado, o apoio de universidades e outras instituições de ensino e pesquisa também pode criar condições para o aperfeiçoamento do trabalho dessa cooperativa por meio do oferecimento de apoio técnico; do estudo de novas tecnologias que propiciem o avanço de catadores diante da cadeia produtiva dos recicláveis; da inclusão da perspectiva de catadores nas disciplinas de educação ambiental; da celebração de convênios para assessoria jurídica; e da destinação dos materiais recicláveis para a cooperativa.


É essencial fazer a difusão e enraizamento do projeto da cooperativa e buscar a compreensão da comunidade quanto a importância sócio-ambiental, fazendo uso de mecanismos de comunicação que permitam a discussão do projeto ainda em formação para que todos conheçam. Esses meios podem ser a realização de seminários e fóruns de discussão e todas as lideranças e entidades interessadas no tema devem ser convidadas. Em seguida, deve ser criado um grupo de apoio que fará reuniões periódicas para acompanhar o desenvolvimento do projeto. Para conquistar a credibilidade da sociedade e aumentar a divulgação da cooperativa, um informativo periódico é um instrumento favorável para atingir este objetivo. Outros instrumentos também dão bons resultados como a criação de site e fóruns de discussão.


Uma das etapas mais importante é o envolvimento da prefeitura para apoiar na divulgação do projeto como também inserir os catadores no sistema de coleta. Durante as entrevistas com os catadores do município de Dias d’Ávila, realizadas pela própria autora desta monografia, foi observado que diariamente os catadores concorrem com os garis da prefeitura. Os caminhões de coleta passam em horários distintos dos catadores e numa velocidade superior à capacidade de coleta desses trabalhadores e levam todo o material reciclável junto ao lixo comum gerado pelas residências. Por conta dessa concorrência, os catadores costumam atuar silenciosamente pelas madrugadas, já que as coletas pela prefeitura acontecem pelo dia. Além disso, foi observado pela autora que muitos garis separam no próprio caminhão os recicláveis com possuem valor de mercado mais alto (como as latas de alumínio) e comercializam posteriormente e de forma independente da Prefeitura. Ou seja, os garis que são profissionais assalariados concorrem de forma desigual com os catadores, que além de não possuírem estrutura para a coleta, não são assalariados. Por esse motivo, principalmente, é que a coleta seletiva a ser desenvolvida pelo Município deve ser solidária, com a inclusão e participação desses catadores.


Após a articulação dos possíveis parceiros do projeto, a cooperativa deve procurar jornais, rádios, revistas para divulgação dos propósitos e necessidades do projeto e como a sociedade pode participar.

Para se ter melhores resultados, o ideal é que o programa de coleta seletiva seja realizado e lançado pela prefeitura e com total apoio da cooperativa para que os resíduos sejam coletados pelos garis e os recicláveis sejam destinados aos catadores.
Na seqüência, deve-se constituir o grupo dos catadores, que envolve uma série de procedimentos que ajudam a conhecer o perfil desses trabalhadores e pode ser feito através do cadastramento e análise de informações colhidas através de aplicação de formulários e entrevistas. Para selecionar os catadores analisados, deve-se levar em consideração o número de catadores interessados em participar do projeto e número de postos de trabalho a serem gerados. Esta seleção é necessária quando se verifica que o potencial de renda a ser gerada no município não é suficiente para integrar todos os interessados. Para esta seleção deve-se seguir três abordagens: 1 – definir todos os catadores dispostos a participar,capacitá-los e depois selecioná-los; 2 – Realizar uma seleção prévia com base nos dados do cadastramento; 3 – Reunir todos os catadores interessados, formar o grupo, capacitá-los e manter todos que quiserem participar da cooperativa. Esta última alternativa é comum quando existem programas assistenciais da prefeitura que fornecem uma complementação de renda para os catadores. Formado o grupo, os catadores devem ser convocados pelos membros da equipe e colaboradores para a primeira reunião e início da formação dos futuros cooperados. Essa formação tem como objetivo incentivar uma ação qualificada dos catadores na gestão de uma cooperativa e deve ser um processo onde as experiências de vida dos catadores, seus hábitos de trabalho no dia a dia e suas deficiências escolares devem ser consideradas.

Com o grupo de catadores já formado e capacitado, deve-se analisar as condições básicas de implementação da cooperativa, principalmente no que se refere a infra-estrutura para transporte, triagem, beneficiamento e comercialização dos materiais recicláveis.Idealmente a central de triagem já deve estar pronta na fase de capacitação do grupo e pode ser usada encontros para o exercício do trabalho cooperado. Os equipamentos mínimos para garantir uma boa operacionalização da cooperativa são: veículos para transporte dos recicláveis, carrinhos de tração humana, carretas com trator e carroças com tração animal, caminhão baú, recipientes para os pontos de entregas voluntárias, área com galpão para o centro de triagem, prensas, empilhadeira, balança de plataforma, balcão para triagem, bags ou bombonas e equipamentos de proteção individual.


Já para os catadores, as condições básicas são: fornecimento de cestas básicas, vale transporte entre a residência e o galpão (a depender da distância), atendimento à saúde, incluindo tratamento de dependências químicas e educação básica com destaque à alfabetização.



5. CONSIDERAÇÕES FINAIS


A questão do lixo conjuga aspectos técnicos, econômicos, ambientais, culturais, políticos e sociais que não podem ser tomados de forma isolada. Nenhuma proposta que considere apenas um desses aspectos será boa o suficiente para resolver a questão do lixo. Além disso, não é possível continuar a fazer propostas em torno dos resíduos sólidos desconsiderando a contribuição efetiva que milhares de catadores e catadoras vêm dando ao desenvolvimento da indústria da reciclagem no Brasil. Essas pessoas, que são qualificadas para a coleta seletiva, precisam ser vistas e ouvidas, não como uma curiosidade ou um subproduto do lixo, mas como uma categoria profissional que busca se organizar e reivindicar direitos. A formação de cooperativas pode ser um importante instrumento para a valorização de catadores e catadoras e deve ser utilizada com essa finalidade. É por meio dela que tais profissionais podem dar sua melhor contribuição para a cidade e para todas as pessoas que nela habitam. Também é pela organização do seu trabalho que catadores e catadoras podem reconstruir sua trajetória de vida e de trabalho, do lixo à cidadania.


Levando em consideração todas as informações analisadas neste trabalho, desde as condições de trabalho dos catadores, a situação do lixo no município e pesquisa sobre dois modelos de cooperativas de catadores, pode-se afirmar que o município de Dias d’Ávila apresenta condições favoráveis para a formação de uma cooperativa de catadores, já que existem pessoas atuando neste setor de forma desorganizada e a demanda de recicláveis geradas pelas empresas do Pólo Petroquímico de Camaçari, do Pólo Empresarial Governador César Borges e pelo comércio local.


Por tratar-se de um município economicamente dependente da qualidade de sua água mineral subterrânea, é fundamental um gerenciamento adequado dos resíduos sólidos gerados.




6. BIBLIOGRAFIA
Compromisso Empresarial para Reciclagem. Evolução da Coleta Seletiva e
Reciclagem no Brasil. In AUDIÊNCIA DO SENADO FEDERAL., 15., 2007. Disponível em www.senado.gov.br/web/.../AP_20070815_CEMPRE_Lixoes.pdf. Acesso em: 20 ago 2009.

Fundação Luiz Eduardo Magalhães. Economia Solidária: desafios para um novo tempo. Salvador. FLEM, 2003.


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Um comentário:

  1. Ana, a realidade dos catadores de DD é muito triste.Representa um dos descasos que o Poder Público da nossa cidade.
    Ass.: Ana Paula

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