10 de mar. de 2010

O fundo da folia




A conta da falta de educação dos seis dias de folia carnavalesca no circuito Barra-Ondina é paga pela natureza. Mais de 1,5 mil latas de cerveja e refrigerante e embalagens plásticas foram retiradas do fundo do mar somente entre o Porto e o Farol da Barra.

O lixo foi recolhido voluntariamente por mergulhadores e surfistas que frequentam o local, na tarde do dia 27 de fevereiro. A bióloga Samantha Nery Grimaldi, que ajudou a coordenar os trabalhos, lamenta a poluição decorrente do carnaval. “Da superfície o visual parecia com as imagens áreas que vemos dos blocos de carnaval durante a festa momesca. Só que ao invés de estarem pulando, dançando e se beijando ao som frenético e ensurdecedor dos trios elétricos, os foliões do fundo do mar estavam rolando de um lado para o outro em uma mórbida coreografia, empurrados silenciosamente pelo balanço do mar, sem dança, sem alegria, sem vida e sem poesia”, lamenta. A bióloga demonstra indignação também com os eventos realizados na praia do Porto da Barra durante o verão: O “Música no Porto” e o “Espicha Verão”. “O lixo, o mau cheiro, a degradação ambiental, o xixi pelas ruas, a impressionante quantidade de ambulantes amontoados por todos os espaços públicos e a agressão aos patrimônios históricos, são um grande “pé na bunda” do turista de qualidade”, condena.

Fonte: Rafael Rodrigues (Bahia Notícias)


Veja o depoimento de uma da mergulhadora:

O fundo da folia




Dez dias após o carnaval, resolvi mergulhar com dois amigos na área do Farol da Barra para confirmar a notícia de que havia uma quantidade absurda de lixo espalhada pelo fundo do mar naquela área.

Mesmo com a água um pouco suja por causa das chuvas do dia anterior, logo identificamos o local. Na verdade o lixo não estava espalhado, mas concentrado em um canal provavelmente em razão do movimento das marés. Uma cena lamentável! Eram pelo menos mil e quinhentas latinhas metálicas e garrafas plásticas.

 


Da superfície o visual parecia com as imagens áreas que vemos dos blocosde carnaval durante a festa momesca. Só que ao invés de estarem pulando, dançando e se beijando ao som frenético e ensurdecedor dos trios elétricos, os foliões do fundo do mar estavam rolando de um lado para o outro numa mórbida coreografia, empurrados silenciosamente pelo balanço do mar, sem dança, sem alegria, sem vida e sem poesia.  



Assustados, decidimos não retirar o material naquele dia na esperança de tentar sensibilizar algum veículo de comunicação para fazer uma matéria com imagens subaquáticas. A intenção era compartilhar aquela agressão carnavalesca com nossa população e os donos da folia.



Fizemos contato com pelo menos três emissoras e todas pediram que enviássemos e-mails com fotos, o que fizemos imediatamente. Aguardamos respostas por dois dias e como não tivemos qualquer retorno, optamos por retirar o lixão de lá para evitar maiores danos.


A bem da verdade estávamos super desconfortáveis com nossas consciências por termos testemunhado aquela cena e deixado para resolver o problema dias após. Mas tínhamos que tentar a matéria para que a ação não se resumisse somente à coleta do material.


 Tínhamos em mente que a repercussão sensibilizaria os empresários e artistas do carnaval, os órgão públicos, a imprensa, as empresas financiadoras e nossa gente. A tentativa foi boa, mas não rolou?


Fomos então, no terceiro dia após o primeiro mergulho, retirar o material. Antes, porém, fiz questão de chamar um amigo que tem uma caixa estanque para filmarmos a ação e guardarmos o documentário visando trabalhos futuros e até mesmo a matéria que queríamos na TV.


Sem cilindro de ar e contando apenas com duas pranchas de SUP (Stand Up Paddle) e alguns sacos grandes, éramos quatro mergulhadores ousados retirando do fundo do mar tudo o que podíamos naquela tarde.


Pouco antes de o sol se pôr conseguimos finalmente colocar todo o lixo na calçada. Muitos curiosos, inclusive turistas, olhavam intrigados a nossa atitude  e a todo o instante nos questionavam sobre a origem daquele resíduo. A resposta estava na ponta da língua: Carnaval!


Vou logo informando aos amigos leitores que não sou contra o carnaval, muito pelo contrário, sou fã por diversos motivos, mas acho que a realidade da festa não guarda a menor relação com as belíssimas cenas, as informações rasgadas de elogios e a passiva euforia amplamente divulgada pela mídia.



Sei que o comprometimento com os patrocinadores e aquela velha guerrinha de vaidades contra os carnavais de outros estados como Pernambuco e Rio de Janeiro, acabam conspirando para isso. Mas vejo aí um modelo cansado, super dimensionado, sem inovações socialmente positivas e remando na  direção oposta ao desenvolvimento sustentável da nossa cidade.


Aquele lixo submarino é um pequeno sinal deste retrocesso. Pior, patrocinado solidariamente pelos grandes empresários, artistas e principalmente pelo poder público que tem o dever de melhorar nossa segurança, nossa saúde e educação.



Aproveito o embalo para incluir indignação semelhante sobre os eventos realizados na praia do Porto da Barra durante o verão. O Música no Porto e o Espicha Verão não tem trazido nada de bom para nossa cidade, além da oportunidade de vermos ótimos artistas de perto e de graça. De resto, o lixo, o mau cheiro, a degradação ambiental, o xixi pelas ruas, a impressionante quantidade de ambulantes amontoados por  todos os espaços públicos e a agressão aos patrimônios históricos, são um grande ?pé na bunda? do turista de qualidade.

É o mesmo que olhar para uma bela maçã com a casca brilhante e aspecto suculento, porém, apodrecida por dentro?

Naquele final de tarde acabamos contemplando um por do sol diferente. O monte de lixo empilhado na calçada do Farol da Barra virou atração. E como Deus é grande, fomos brindados com a presença de valorosos catadores de rua para finalizar a limpeza.


 
Desta ação, além das ótimas imagens documentadas em vídeo, resta rezar para que os donos do carnaval, dos eventos no Porto da Barra e nossos queridos foliões se toquem que algo tem que mudar.

O fundo do mar não merece aquele bloco reluzente e, ao contrário do asfalto, o oceano costuma revidar violentamente as agressões sofridas.



Não tem alegria alguma no fundo da folia!

 

3 comentários:

  1. Infelizmente essa é uma realidade não só na Barra, mas por todo o mar. São pessoas jogando lixo no ferry boat, na areia da praia, nas embarcações particulares, sem nenhuma preocupação com a fauna marinha. Como todo o lixo vai parar no fundo do mar ou no estômago dos animais e não incomoda visivelmente os seres humanos ( tão racionais como nos achamos), são poucos os que se importam com essa causa.

    A iniciativa desses mergulhadores deveria servir de inspiração para todos nós que vivemos aprisionados na nossa rotina e quase nada fazemos para preservar o meio ambiente. Gostaria abraçar essas pessoas e dizer-lhes: vocês são espécies em extinção e evoluídos, pois substituiram o lazer para amenizar o sofrimento dos animais. Imagino quantas idas ao fundo do mar, sem cilindro, essas pessoas tiveram que fazer para coletar todo aquele lixo.

    É disso que precisamos!

    Ficou mais que provado com essa iniciativa que a sociedade civil, mesmo que representada apenas por 5 mergulhadores, pode fazer a diferença por uma causa!

    ResponderExcluir
  2. Com certeza, Ana.
    Podemos sim fazer a diferença, basta acreditarmos nisso e querermos.
    Se cada um pudesse contribuir com pequenos gestos na sua rotina diária teríamos menos impactos em nosso planeta.
    Ass.: Ana Paula Rosas

    ResponderExcluir
  3. Pois é pessoal, nesse caso temos em quem colocar a culpa "carnaval", porém, não podemos esquecer que toda a nossa costa marítima está cheia de lixo, na areia e no fundo do mar. Enquanto não mudarmos a cultura, a formação educacional dos cidadãos de nosso país, teremos sempre alguns absurdos como este para mostrar.
    Abraço a todos, Túlio Saraiva

    ResponderExcluir

Você faz coleta seletiva em casa?